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Meditação: Não é o que pensa
Em linguagem do senso-comum, o que a realidade da prática de meditação significa, em última análise, é que é possível ensinar novos truques a um cão velho...
Não consegue Meditar? Tem família, amigos, colegas que dizem que simplesmente não conseguem meditar? A neurocientista residente do Mind and Life Institute, Wendy Hasenkamp, explora os equívocos populares em torno da meditação e as razões para se continuar a tentar.
Quando eu explico a alguém que estou envolvida em investigações sobre meditação é comum ouvir: "Ah, meditação, eu tentei isso, mas não consegui praticar. "
Esta resposta traz-me uma mescla de emoções que se traduzem em tristeza e frustração, mas também servem de motivação. Tristeza, porque as pessoas têm experimentado a meditação sob uma perspetiva negativa e associaram-na ao fracasso. Frustração porque essa associação, muitas vezes, decorre de um enviesamento cultural sobre o que é meditação (e o que se sente quando se pratica). E motivação porque para mudar essa percepção errada, quem estiver interessado, pode experimentar os benefícios que acompanham a prática meditativa.
Ao realizar-se uma rápida pesquisa de imagens online sobre meditação o que se encontra é uma descrição popular, ou seja, pessoas sentadas com as pernas cruzadas, olhos fechados, aparentemente serenas e livres de pensamentos, alguns até com feixes de luz que disparam das suas cabeças. Basta perguntar a alguém que medite regularmente para saber que esta imagem está muito longe da realidade. Especialmente para os principiantes.
Na sociedade ocidental, o primeiro estilo de meditação que muitas vezes é ensinado, Mindfulness ou prática de atenção focada, envolve manter a atenção na sensação na respiração. Penas isso, e, geralmente, de cinco a 10 minutos para começar. Mesmo isto, porém, é mais fácil dizer do que fazer. Experimente e veja. Irá imediatamente ser confrontado com uma quantidade de pensamentos que emergem e que cativam a sua atenção para longe da respiração: um desentendimento recente, listas de compras, um desejo para o café, excitação nervosa sobre uma data próxima.... Isto é natural. Pensamentos e emoções surgem associados. Num determinado momento percebe-se que a mente se acalmou, e separou-se do amontoado perturbador de pensamentos, voltando para a respiração. E então acontece novamente. E mais uma vez. E mais uma vez.
A luta com a meditação tipicamente surge porque os objetivos estão deslocados. O que é facilmente confundido é que as instruções para a meditação não são, realmente, o objectivo da meditação. Por outras palavras, enquanto se procura manter o foco na respiração, o grande objetivo é realmente saber mais sobre a mente. Faz-se isso através da criação das condições para que os pensamentos surjam e depois observamo-los sem julgamentos. Ao se entender que os pensamentos devem surgir, e são mesmo necessários para que o processo seja significativo, pode-se relaxar, permitindo que isso aconteça. Com a prática, começa-se a perceber que os pensamentos e emoções que, naturalmente, surgem também naturalmente vão dissolver-se. Percebe-se que não é necessário segui-los e que eles não são tão “reais” quanto parecem. Ao longo da última década, os neurocientistas tornaram-se cada vez mais interessados em estudar como a meditação afecta o cérebro e o corpo. O número de estudos realizados por ano neste novo campo da ciência contemplativa está a crescendo exponencialmente, com mais de 200 estudos publicados no ano passado.
E porquê tanta excitação?
Bem, a investigação até agora tem mostrado muitos benefícios da meditação. Desde melhorar a atenção e aumentar os resultados nos exames, reduzir o stresse e aumentar a função imunológica. Como o campo continua a florescer, e estudos clínicos tornam-se cada vez mais rigorosos, utilizando metodologias como controlo activo e aleatorização, que estão a receber uma compreensão mais refinada para melhor aplicação na prática contemplativa. Por outras palavras, procura-se saber que tipos de prática são mais benéficas, com que meios e para que amostras?
Vários modelos cognitivos estão também a começar a ser procurar explicar como a meditação funciona psicologicamente, um passo importante para enquadrar a investigação futura que nos dará um mapa mais claro da mente. E ir além do psicológico, os investigadores procuram esclarecer como as mudanças cognitivas e neurais conseguidas através da meditação podem-se estender para o corpo físico, tornando-os mais saudáveis e resistentes em resposta ao stresse do mundo moderno.
Embora muitas pessoas pensem o contrário, as capacidades cognitivas para a meditação podem ser treinadas. Suportando milhares de anos de evidências de estudos de caso de tradições contemplativas, como o budismo, a ciência moderna está também a mostrar isso da sua forma. Da mesma forma que ir ao ginásio levantar pesos irá desenvolver os músculos, quando repetidamente se pratica uma habilidade mental, seja ela focalizar a atenção, fazer aritmética, ou aprender uma nova língua está-se a construir novos circuitos no cérebro. O que a ciência está a provar, uma e outra vez, é que, com intenção e diligência, é possível mudar o cérebro.
Esse entendimento tem sido uma revolução para os neurocientistas e psicólogos que pensavam há décadas que o cérebro estava particamente estático após o final da adolescência. A maioria acreditava que ainda era possível aprender novas informações, mas em termos de personalidade e potencial inato, um cérebro humano era concebido como estando “completo” por volta dos 20 anos de idade. Claro, sempre haverá limitações dadas pela interação de genes e meio ambiente, mas para a maioria, a janela de oportunidades é muito maior do que se acreditava anteriormente. A meditação, ao que parece, pode desempenhar um papel significativo na "plasticidade " cerebral.
Vários estudos que investigaram a estrutura do cérebro demonstraram que a meditação está relacionada com o aumento da densidade da massa cinzenta do cérebro, aumento da espessura cortical e aumento das conexões entre regiões cerebrais importantes para o controlo cognitivo. Estudos recentes mostram que quanto maior a quantidade de horas de meditação, maior será a quantidade de dobras corticais da ínsula – uma área importante para integração autónoma, emocional e cognitiva. Algumas das minhas próprias pesquisas demonstraram que meditadores mais experientes apresentam maior coerência da actividade cerebral nas redes ligadas à atenção, e também entre regiões de controlo atencional e áreas envolvidas com divagações mentais. Isso sugere uma competência, que pode ser treinada, para a concentração e para libertar pensamentos intrusivos.
Wendy Hasenkamp, PhD, é diretora científica do Mind and Life Institute. Como neurocientista e praticante contemplativa, tem como interesses compreender como a experiência subjetiva é representada no cérebro, e como a mente e o cérebro podem ser transformados e desenvolvidos por meio da experiência e da prática. Ela também tem contribuído para o desenvolvimento do currículo, ensino e criação de livros didáticos de neurociência para o Emory Tibet Science Initiative, que visa integrar a ciência no sistema de educação monástico tibetano na Índia.
Quando eu explico a alguém que estou envolvida em investigações sobre meditação é comum ouvir: "Ah, meditação, eu tentei isso, mas não consegui praticar. "
Esta resposta traz-me uma mescla de emoções que se traduzem em tristeza e frustração, mas também servem de motivação. Tristeza, porque as pessoas têm experimentado a meditação sob uma perspetiva negativa e associaram-na ao fracasso. Frustração porque essa associação, muitas vezes, decorre de um enviesamento cultural sobre o que é meditação (e o que se sente quando se pratica). E motivação porque para mudar essa percepção errada, quem estiver interessado, pode experimentar os benefícios que acompanham a prática meditativa.
Ao realizar-se uma rápida pesquisa de imagens online sobre meditação o que se encontra é uma descrição popular, ou seja, pessoas sentadas com as pernas cruzadas, olhos fechados, aparentemente serenas e livres de pensamentos, alguns até com feixes de luz que disparam das suas cabeças. Basta perguntar a alguém que medite regularmente para saber que esta imagem está muito longe da realidade. Especialmente para os principiantes.
"Em linguagem do senso-comum, o que a realidade da prática de meditação significa, em última análise, é que é possível ensinar novos truques a um cão velho. O processo é temporalmente dispendioso e requer uma boa dose de dedicação e de esforço, mas com prática pode-se desenvolver uma nova forma de se relacionar com os pensamentos e emoções. E isso significa que é realmente possível escolher como se pensa e, consequentemente, quem somos.
Mas não tome por verdade o que estou dizendo. O próprio Buda disse a seus alunos para não aceitarem algo simplesmente porque uma autoridade disse ser verdade; em vez disso, teste e veja se está de acordo com a sua própria experiência. Aposto que se colocar a meditação seriamente à prova, irá ver – e sentir – os benefícios por si mesmo. "
No exterior, o corpo pode ficar calmo (e mesmo isso pode levar algum tempo para conseguir), mas no interior, a mente é muitas vezes um aglomerado confuso de pensamentos e emoções. Isso é normal. De facto, enquanto a meditação significa muitas coisas para muitas pessoas, na minha perspectiva, não implica atingir um estado de êxtase ou um estado de "vazio" de espírito. A cessação dos pensamentos embora possível (pelo que ouço), será mais um efeito secundário, se e quando ocorre. Para mim, a meditação é, na realidade, um processo de investigação da própria mente e mudar a forma como de relacionamento com os seus pensamentos.Mas não tome por verdade o que estou dizendo. O próprio Buda disse a seus alunos para não aceitarem algo simplesmente porque uma autoridade disse ser verdade; em vez disso, teste e veja se está de acordo com a sua própria experiência. Aposto que se colocar a meditação seriamente à prova, irá ver – e sentir – os benefícios por si mesmo. "
Na sociedade ocidental, o primeiro estilo de meditação que muitas vezes é ensinado, Mindfulness ou prática de atenção focada, envolve manter a atenção na sensação na respiração. Penas isso, e, geralmente, de cinco a 10 minutos para começar. Mesmo isto, porém, é mais fácil dizer do que fazer. Experimente e veja. Irá imediatamente ser confrontado com uma quantidade de pensamentos que emergem e que cativam a sua atenção para longe da respiração: um desentendimento recente, listas de compras, um desejo para o café, excitação nervosa sobre uma data próxima.... Isto é natural. Pensamentos e emoções surgem associados. Num determinado momento percebe-se que a mente se acalmou, e separou-se do amontoado perturbador de pensamentos, voltando para a respiração. E então acontece novamente. E mais uma vez. E mais uma vez.
A luta com a meditação tipicamente surge porque os objetivos estão deslocados. O que é facilmente confundido é que as instruções para a meditação não são, realmente, o objectivo da meditação. Por outras palavras, enquanto se procura manter o foco na respiração, o grande objetivo é realmente saber mais sobre a mente. Faz-se isso através da criação das condições para que os pensamentos surjam e depois observamo-los sem julgamentos. Ao se entender que os pensamentos devem surgir, e são mesmo necessários para que o processo seja significativo, pode-se relaxar, permitindo que isso aconteça. Com a prática, começa-se a perceber que os pensamentos e emoções que, naturalmente, surgem também naturalmente vão dissolver-se. Percebe-se que não é necessário segui-los e que eles não são tão “reais” quanto parecem. Ao longo da última década, os neurocientistas tornaram-se cada vez mais interessados em estudar como a meditação afecta o cérebro e o corpo. O número de estudos realizados por ano neste novo campo da ciência contemplativa está a crescendo exponencialmente, com mais de 200 estudos publicados no ano passado.
E porquê tanta excitação?
Bem, a investigação até agora tem mostrado muitos benefícios da meditação. Desde melhorar a atenção e aumentar os resultados nos exames, reduzir o stresse e aumentar a função imunológica. Como o campo continua a florescer, e estudos clínicos tornam-se cada vez mais rigorosos, utilizando metodologias como controlo activo e aleatorização, que estão a receber uma compreensão mais refinada para melhor aplicação na prática contemplativa. Por outras palavras, procura-se saber que tipos de prática são mais benéficas, com que meios e para que amostras?
Vários modelos cognitivos estão também a começar a ser procurar explicar como a meditação funciona psicologicamente, um passo importante para enquadrar a investigação futura que nos dará um mapa mais claro da mente. E ir além do psicológico, os investigadores procuram esclarecer como as mudanças cognitivas e neurais conseguidas através da meditação podem-se estender para o corpo físico, tornando-os mais saudáveis e resistentes em resposta ao stresse do mundo moderno.
Embora muitas pessoas pensem o contrário, as capacidades cognitivas para a meditação podem ser treinadas. Suportando milhares de anos de evidências de estudos de caso de tradições contemplativas, como o budismo, a ciência moderna está também a mostrar isso da sua forma. Da mesma forma que ir ao ginásio levantar pesos irá desenvolver os músculos, quando repetidamente se pratica uma habilidade mental, seja ela focalizar a atenção, fazer aritmética, ou aprender uma nova língua está-se a construir novos circuitos no cérebro. O que a ciência está a provar, uma e outra vez, é que, com intenção e diligência, é possível mudar o cérebro.
Esse entendimento tem sido uma revolução para os neurocientistas e psicólogos que pensavam há décadas que o cérebro estava particamente estático após o final da adolescência. A maioria acreditava que ainda era possível aprender novas informações, mas em termos de personalidade e potencial inato, um cérebro humano era concebido como estando “completo” por volta dos 20 anos de idade. Claro, sempre haverá limitações dadas pela interação de genes e meio ambiente, mas para a maioria, a janela de oportunidades é muito maior do que se acreditava anteriormente. A meditação, ao que parece, pode desempenhar um papel significativo na "plasticidade " cerebral.
Vários estudos que investigaram a estrutura do cérebro demonstraram que a meditação está relacionada com o aumento da densidade da massa cinzenta do cérebro, aumento da espessura cortical e aumento das conexões entre regiões cerebrais importantes para o controlo cognitivo. Estudos recentes mostram que quanto maior a quantidade de horas de meditação, maior será a quantidade de dobras corticais da ínsula – uma área importante para integração autónoma, emocional e cognitiva. Algumas das minhas próprias pesquisas demonstraram que meditadores mais experientes apresentam maior coerência da actividade cerebral nas redes ligadas à atenção, e também entre regiões de controlo atencional e áreas envolvidas com divagações mentais. Isso sugere uma competência, que pode ser treinada, para a concentração e para libertar pensamentos intrusivos.
Wendy Hasenkamp, PhD, é diretora científica do Mind and Life Institute. Como neurocientista e praticante contemplativa, tem como interesses compreender como a experiência subjetiva é representada no cérebro, e como a mente e o cérebro podem ser transformados e desenvolvidos por meio da experiência e da prática. Ela também tem contribuído para o desenvolvimento do currículo, ensino e criação de livros didáticos de neurociência para o Emory Tibet Science Initiative, que visa integrar a ciência no sistema de educação monástico tibetano na Índia.
Por Vitor Bertocchini
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